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Os Valores do Lean Manufacturing
Introdução
Os estudiosos e gestores da Manufatura Enxuta têm encontrado em suas análises alguns conceitos, que não são referenciados como princípios, métodos ou ferramentas, apesar de serem tidos como importantes.
São ideias como “Respeito pelas Pessoas” e “Melhoria Contínua”, que embora sejam mencionados repetidamente em livros e artigos, não constam das “casas” e esquemas que dão uma visão geral do Lean Manufacturing.
Estes conceitos são tidos como essenciais na implantação de todos as ferramentas de Manufatura Enxuta e na verdade, são mencionados desde a criação do Sistema Toyota de Produção.
Isto acontece porque são valores inerentes à cultura japonesa e, estão tão entranhados nessa sociedade, que não faz sentido sequer mencioná-los. Seria como enfatizar a necessidade de ar respirável para realização do processo produtivo.
Entretanto a Manufatura Enxuta, seus princípios e ferramentas, é aplicada hoje em nível mundial, nas mais diversas áreas de negócio, em contextos sociais altamente diversificados, como uma referência para o sucesso.
O fato de que esses valores intrínsecos do Pensamento Enxuto sejam pouco mostrados e quase nada mencionados não reduz seu impacto e relevância estratégica para o Lean Manufacturing e Sistema Toyota de Produção.
Faz completo sentido então refletir sobre estes valores, seu papel para a adequada implantação das ferramentas e sua contribuição para o sucesso do modelo da Manufatura Enxuta.
Um ponto crucial é o extraordinário avança de novas tecnologias, em especial a Indústria 4.0, que revolucionam as atividades de produção e certamente interagem com as ferramentas de Manufatura Enxuta e por consequência com seus valores. Mas isso é um outro assunto.
Kaizen como Filosofia
O Sr. Masaaki Imai apresentou o conceito de Kaizen na América em 1986 ao publicar seu manual de boas práticas para Melhoria, seu famoso livro “Kaizen – The Key to Japan`s Competitive Success”.
A divulgação e impacto do Kaizen foi enorme e com aplicações muito distintas e às vezes pouco claras. Entendo que na verdade o Kaizen existe e atua em três níveis:
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operacional, como ferramenta para resolver problemas em etapas estruturadas,
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tático, como método que elimina desperdícios e gerencia a melhoria dos processos,
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estratégico, como uma filosofia de vida e de gestão que busca a perfeição.
Antes e mais do que ser uma técnica ou conhecimento, o Kaizen é uma forma de olhar e entender o mundo, uma Filosofia com raízes nos ensinamentos tradicionais da cultura japonesa.
Essa visão de mundo está na base, nos pilares e em todas as ferramentas da Manufatura Enxuta. De modo que a Filosofia Kaizen permeia, explica, orienta e motiva todas as suas atividades.
Nessa perspectiva, tudo pode ser melhorado, através de pequenos ajustes que se acumulam para trazer grandes mudanças.
A palavra Kaizen é formada por Kai (mudar) e Zen (melhor), ou seja para melhor. E “Zen” tem sua raiz no sânscrito e está ligada ao Zen Budismo, uma religião difundida no Japão desde o séc. XII.
Fica evidente que o Kaizen, como filosofia, está entranhada na sociedade e cultura japonesa.
Vale a pena então verificar alguns traços típicos do Zen:
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mais uma prática do que uma teoria, “um dia sem trabalho é um dia sem comida”,
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um estilo de vida não apenas um conjunto de práticas,
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ninguém existe sozinho ou vive alheio ao próximo,
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a vida é sofrimento, logo é falhas e erros são parte da vida em todos os seus aspectos,
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o caminho para terminar o sofrimento é através de ser e fazer correto.
Transportando esses conceitos para a Manufatura Enxuta e teremos:
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o Lean como uma jornada, um caminho para a perfeição,
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onde todos e juntos devem trabalhar todo dia na melhoria,
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resolvendo problemas e buscando uma melhor solução,
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compartilhando experiências e conhecimentos,
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sem ideias salvadoras ou soluções milagrosas, apenas trabalho.
Nada disso é bizarro, esquisito ou “coisa do Japão” mas com certeza uma atitude séria, de rigor e de consistência.
Evidentemente, a proposta não é mudar a religião de ninguém mas compreender, de verdade, a Filosofia Kaizen e assim obter um sucesso sustentável com a Manufatura Enxuta.
A verdadeira questão é se é possível implantar uma Manufatura Enxuta sem uma visão estratégica, uma filosofia que oriente uma jornada de esforço pela competitividade. Aliás, como a Toyota vêm fazendo há quase um século.
Acredito que o Lean Manufacturing é um permanente “work in process”, uma longa jornada de evolução e adaptação. Isso é Kaizen.
Respeito pelas Pessoas
Segundo Matthias Holweg, devemos entender a Manufatura Enxuta como bem mais do que um conjunto de ferramentas e considerar que existem dimensões humanas da motivação, capacitação e respeito pelas pessoas. De fato, estes elementos são essenciais para a eficácia final e sustentabilidade em longo prazo de qualquer programa Lean.
Para Jeffrey Liker, “a maioria das empresas está patinando ao nível de Processos, buscando a eliminação de perdas sem vincular suas iniciativas ao pensamento de longo prazo, ao RESPEITO e TRABALHO em equipe e a cultura de aprendizagem e melhoria contínua”.
Especialistas e diretores da Toyota em seus comentários sobre o Sistema Toyota de Produção regularmente abordam esta questão.
É importante ressaltar que este valor não se trata da
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obrigação de qualificar os colaboradores, ou da
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importância de motivar e engajar as pessoas nas atividades, ou da
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relevância de organizar os funcionários para suas atividades e nem mesmo da
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necessidade de estabelecer padrões de trabalho de boa qualidade
mas da mais absoluta urgência de
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garantir a saúde e integridade física dos funcionários,
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proteger as pessoas do abuso moral e social de qualquer natureza,
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aceitar sua individualidade e opções de vida,
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assegurar um ambiente de trabalho adequado ao desempenho esperado e sobretudo
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dar autonomia e incentivo.
Vale a pena lembrar que as pessoas podem ter habilidades ou conhecimento limitados mas cedo ou tarde elas perceberão qual é o verdadeiro valor que o chefe dá a elas.
Esse pode ser a partida para uma jornada de aprendizado e crescimento mútuo ou o início de uma longa mentira, onde um finge que reconhece e outro faz de conta que se interessa.
Transparência Total
Entrar numa fábrica “normal” é um tédio, apenas confusão, você não saberá
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em qual setor você está, nem qual seu produto,
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quem trabalha lá e o que fazem,
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qual a situação da produção, nem qual seu desempenho,
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que peças são aquelas, nem se são boas ou há problemas,
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quais os objetivos, a política ou estratégia da empresa
Enfim, um passeio onde você não verá nada, não entenderá nada e será ameaçado por uma empilhadeira indo em alta velocidade para algum lugar.
Ao contrário, caminhar por uma Fábrica Enxuta será um bombardeio de comunicação para os sentidos:
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Em cada setor, uma placa enorme e faixas visíveis no piso,
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Um andon indica que a produção do turno, prevista e real,
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Um mural com alguns gráficos mostra que os objetivos de qualidade e desempenho,
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Uma lâmpada vermelha numa máquina está pedindo ajuda técnica
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Uma mesa alta cercada por operadores examina uma peça marcada “suspeita”.
Se você é o Gerente, em alguns minutos você sabe o que precisa de sua atenção, onde ajudar e mesmo o que fazer.
Essa última cena acontece normalmente numa fábrica com Manufatura Enxuta e isso é chamado de Gestão à Vista.
Para mim isso é Transparência, pois requer coragem e seriedade, mostrar que:
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Sua produção está atrasada em relação ao previsto,
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Seu objetivo de refugo interno não será atendido,
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Sua máquina gargalo está quebrada,
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Seu principal produto está com problemas.
Essa transparência para mostrar a situação real permite visualizar as dificuldades e isso possibilita resolver os problemas.
Convenhamos, não é simples ser honesto e mesmo aceitar que sua fábrica não é perfeita, que falhas acontecem e que as pessoas erram. Mas é assim que a Manufatura Enxuta funciona, enfrentando problemas, eliminando desperdícios e avançando pouco a pouco.
Madre Teresa de Calcutá disse uma vez “A honestidade e a transparência tornam você vulnerável. Seja honesto e transparente de qualquer maneira.”
Exercer a liderança requer algumas coisas bastante fortes de nós, e independe de nível ou posição, qualquer que seja seu negócio: honestidade e transparência são vitais.
Bem, existe a alternativa: esconder dados, mentir sobre estratégias, maquiar resultados, construir KPI`s misteriosos, isolar gerentes de engenheiros e técnicos de operadores.
Presença no Genba
A tentação para ficar numa sala confortável é imensa e os motivos para ir ao “genba” não são tão evidentes. Na verdade, o ser humano é comodista e ficará em sua zona de conforto sempre que possível. Foi assim, até na Toyota!
Isso se agrava em tempos da Indústria 4.0, quando a Automação e Tecnologia da Informação disponibilizam dados em tempo real dos mais variados aspectos do negócio e como nunca um gerente têm na sua mão acesso e controle sobre seus processos.
Agora lembremos de Taiichi Ohno e sua famosa frase “Genchi Genbutsu”, ou seja, “vá e veja você mesmo”.
Ele propunha que os gestores devem ir até o “genba”, local da verdade, onde tudo ocorre, para serem capazes de analisar e realmente entender o que está acontecendo na empresa.
Não basta ver gráficos coloridos, KPI`s sem sentido e relatórios técnicos com diversas páginas. Tudo isso não é a realidade! São representações do processo, um modelo mental, elaborações matemáticas e visões esquemáticas do piso de fábrica.
Um ponto interessante do “Genchi Genbutsu” é que ir à fonte para verificar fatos por si mesmo permite ter certeza de ter a melhor informação e assim poder tomar uma boa decisão, além de poder observar oportunidades de melhoria.
Outro especialista no Lean Manufacturing, Kazuo Kawashima, criador do QRQC, diz que “Tenho apenas duas metodologias: meus olhos e minhas pernas. Isso é tudo que preciso para ver, julgar, entender e decidir. Esta é a base do “San Gen Shugi”. San Gen Shugi pode ser traduzido por “Ideologia das Três Realidades”, e em síntese seria: “Ir até o piso de fábrica (GENBA), verificar a peça real (GENBUTSU) e analisar com fatos e dados reais (GENJITSU).”
Dentro do contexto da Manufatura Enxuta, a presença no Genba é uma constante em todas as ferramentas e atividades, é o traço comum entre todas elas.Nada acontece fora do Genba. Ao menos, nada importante!
É impossível fazer um MFV numa sala, responder um A3 no computador, pensar num sistema kanban numa sala de reunião ou desenvolver uma reunião Kaizen conversando no escritório.
O Coletivo acima do Individuo
Inicialmente preciso esclarecer que aqui não se trata de como gerenciar pessoas numa organização com Pensamento Enxuto, nem de como ser um “Líder Lean” ou da importância de desenvolver os colaboradores.
Essa é uma visão ocidentalizada para uma filosofia oriental.
Entendo que numa empresa que pretenda ter uma Manufatura Enxuta eficaz e sustentável existe uma visão especial para as pessoas como grupo. Primeiro se foca e trata o grupo de pessoas antes de olhar o indivíduo.
Todas, repito todas, as ferramentas Lean funcionam através de grupos de trabalho.
De fato, a primeira etapa de qualquer projeto é formar uma equipe. Isso permite:
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envolver os principais interessados no projeto
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reunir competência, habilidades e atitudes diversas
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reduzir problemas e falhas como algo individual
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multiplicar o aprendizado obtido na ferramenta
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facilitar a implantação no piso de fábrica
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criar uma “pressão” do grupo sobre a atuação da pessoa
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melhorar a performance e sustentação das soluções obtidas
Segundo o formidável guru japonês Aristóteles, o homem é ser social, porque precisa de outros da mesma espécie. Precisamos viver em bando, sem os outros do nosso grupo, não conquistamos a plenitude e nos tornamos animais tristes. Quando estamos juntos, nos sentimos protegidos, amados e valorizados. Isso não impede organização, hierarquia e liderança.
Outro famoso especialista em Lean Manufacturing, Karl Marx escreveu que o homem, é um ser social é determinado pelas condições da sociedade e inclusive que não é a consciência do homem que determina seu ser, mas é seu ser social que determina sua consciência.
Podemos concordar ou não com essas visões mas devemos, ao menos, aceitar que existe uma dimensão de grupo no trabalho das pessoas e isso parece mais razoável do que tratar a questão das pessoas dentro de uma perspectiva individualista.
Assim sendo, focar na pessoa, desenvolver pessoas, motivar pessoas, liderar pessoas, etc. é um erro.
O Grupo tem valor e suas necessidades e expectativas deveriam ser bem gerenciadas, portanto devemos
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estruturar a integração e sinergia entre grupos, setores e projetos,
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definir formas variadas de organização em grupos para sua atuação,
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estabelecer mecanismos para formação e qualificação
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desenvolver atividades de recompensa e reconhecimento dos grupos,
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criar uma política para Retenção de Talentos
Um alerta, de modo algum deve-se esquecer da individualidade do ser humano, ela é mesmo imprescindível ao bom funcionamento da Manufatura Enxuta. Entretanto, essa é uma parte da abordagem mais ampla do coletivo.
Um exemplo para explicar a ideia, em qualquer empresa existem pessoas cegas, isso é importante e interessante. Então vamos organizá-las em grupos para escutá-las, desenvolver suas competências e aproveitar seu potencial.
Atenção, o valor do Coletivo extrapola de muito o grupo de trabalho, ele inclui a empresa, abrange os “stakeholders”, passa pela comunidade, atinge a sociedade humana e o próprio planeta.
Conclusão
Fica bem evidente que este caldo de valores culturais e religiosos da sociedade japonesa foi o local perfeito para as ferramentas do Sistema Toyota de Produção, por sua vez originários da indústria ocidental.
Acredito que esses valores formam um contexto de atitude dentro da Manufatura Enxuta e que se deve estar atento a sua plena e concreta existência para obtenção de um sucesso sustentável com resultados de longo prazo.
São valores que devem ser cultivados cuidadosamente pelos gestores, incentivados regularmente e reconhecidos pela Diretoria.
Reitero que nenhuma ferramenta da Manufatura Enxuta terá sucesso sustentável sem que estes valores sejam uma parte efetiva da cultura organizacional:
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Kaizen como Filosofia
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Respeito pelas Pessoas
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Transparência Total
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Presença no Genba
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Coletivo acima do Indivíduo
Um lembrete, estes valores não são as bases, pilares, nem mesmo princípios do Lean Manufacturing. São a atmosfera, o caldo de cultura, o meio ambiente que possibilita atingir seu máximo potencial e sobrevivência em longo prazo.
Se a Manufatura Enxuta não está trazendo os resultados esperados, então verifique se:
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sua Diretoria entendeu que Lean é uma maratona, não uma corrida de 50m,
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as pessoas se sentem de fato respeitadas em sua empresa,
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a dura realidade é mostrada claramente a todos,
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os gerentes trabalham no piso de fábrica, ou só visitam,
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se a maioria das pessoas está atuando em grupos de melhoria.
E lembre-se: Lean não é a Perfeição mas a busca!
Gambate! – Significa ao é da letra algo como: “faça o seu melhor”, “dê o melhor de si”, “esforce-se ao máximo”.
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